quinta-feira, 22 de dezembro de 2016



Há pessoas que nunca nos esquecemos, que fazem parte do nosso respirar, que vemos diariamente ao nosso lado, que connosco caminham com a mão sobre o ombro, que nos inspiram em tudo o que de bom fazemos, que as sabemos nossas sem que as escolhesse-mos.
Há pessoas que nos fazem sorrir cada vez que nos lembramos delas e que nos deixam deveras tristes pela mesma razão.
Pessoas a quem recordamos o gargalhar, o “dar de vaia”, o aceno amigo, o transpor atabalhoado do obstáculo físico que nos dividiu, há pessoas que nos fazem suspirar em vez de respirar.
Há pessoas puras, alegres, verdadeiras, genuínas e integras que tudo dão sem esperar nada de volta.
Há pessoas que adotamos ou pelas quais somos adotados.
Ainda há pessoas assim.
Ou havia…

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

"Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim."


(Carlos Drummond de Andrade)

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016


"Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje
às 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimônia, viríamos todos assistir
a despedida.
Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos...)
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão sutil... tão pòlen...
como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis..."


José Gomes Ferreira

terça-feira, 13 de dezembro de 2016














"na hora de pôr a mesa, éramos cinco: 
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. depois, a minha irmã mais velha
casou-se. depois, a minha irmã mais nova
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva. cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco." 

José Luís Peixoto, in 'A Criança em Ruínas'